segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A Literatura em Perigo - o texto, de Todorov, era o enunciado de uma das questões da prova da UNESP, ontem. Primoroso!


A análise das obras feita na escola não deveria mais
ter por objetivo ilustrar os conceitos recém-introduzidos
por este ou aquele linguista, este ou aquele teórico da
literatura, quando, então, os textos são apresentados
como uma aplicação da língua e do discurso; sua tarefa
deveria ser a de nos fazer ter acesso ao sentido dessas
obras — pois postulamos que esse sentido, por sua vez,
nos conduz a um conhecimento do humano, o qual
importa a todos. Como já o disse, essa ideia não é
estranha a uma boa parte do próprio mundo do ensino;
mas é necessário passar das ideias à ação. Num relatório
estabelecido pela Associação dos Professores de Letras,
podemos ler: “O estudo de Letras implica o estudo do
homem, sua relação consigo mesmo e com o mundo, e
sua relação com os outros.” Mais exatamente, o estudo
da obra remete a círculos concêntricos cada vez mais
amplos: o dos outros escritos do mesmo autor, o da
literatura nacional, o da literatura mundial; mas seu
contexto final, o mais importante de todos, nos é
efetivamente dado pela própria existência humana. Todas
as grandes obras, qualquer que seja sua origem,
demandam uma reflexão dessa dimensão. 
O que devemos fazer para desdobrar o sentido de uma
obra e revelar o pensamento do artista? Todos os
“métodos” são bons, desde que continuem a ser meios,
em vez de se tornarem fins em si mesmos. (...)
(...)
(...) Sendo o objeto da literatura a própria condição
humana, aquele que a lê e a compreende se tornará não
um especialista em análise literária, mas um conhecedor
do ser humano. Que melhor introdução à compreensão
das paixões e dos comportamentos humanos do que uma
imersão na obra dos grandes escritores que se dedicam
a essa tarefa há milênios? E, de imediato: que melhor
preparação pode haver para todas as profissões baseadas
nas relações humanas? Se entendermos assim a literatura
e orientarmos dessa maneira o seu ensino, que ajuda
mais preciosa poderia encontrar o futuro estudante de
direito ou de ciências políticas, o futuro assistente social
ou psicoterapeuta, o historiador ou o sociólogo? Ter
como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoievski e
Proust não é tirar proveito de um ensino excepcional? E
não se vê que mesmo um futuro médico, para exercer o
seu ofício, teria mais a aprender com esses mesmos
professores do que com os manuais preparatórios para
concurso que hoje determinam o seu destino? Assim, os
estudos literários encontrariam o seu lugar no coração
das humanidades, ao lado da história dos eventos e das
ideias, todas essas disciplinas fazendo progredir o pensa -
men to e se alimentando tanto de obras quanto de dou tri -
nas, tanto de ações políticas quanto de mutações sociais,
tanto da vida dos povos quanto da de seus indivíduos.
Se aceitarmos essa finalidade para o ensino literário,
o qual não serviria mais unicamente à reprodução dos
professores de Letras, podemos facilmente chegar a um
1acordo sobre o espírito que o deve conduzir: é necessário
incluir as obras no grande diálogo entre os homens,
iniciado desde a noite dos tempos e do qual cada um de
nós, por mais ínfimo que seja, ainda participa. “É nessa
comunicação inesgotável, vitoriosa do espaço e do
tempo, que se afirma o alcance universal da literatura”,
escrevia Paul Bénichou. A nós, adultos, nos cabe
transmitir às novas gerações essa herança frágil, essas
palavras que ajudam a viver melhor.


(Tzvetan Todorov. A literatura em perigo.
2 ed. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro:
DIFEL, 2009, p. 89-94.)

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